IN MY BEGINNING IS MY END IN MY END IS MY BEGINNING

Entrevista com Sergio Lucena – W. J. Solha

WJS – Sergio, tive um impacto extraordinário, ao ver pela primeira vez uma tela sua, pela poderosa densidade daquele navio a vapor, naquele estranho mar. O quadro estava na entrada da Funjope (Fundação Cultural João Pessoa) , atrás da secretária em seu birô, e a ela pedi seu telefone e, ali mesmo, sem conhecê-lo, o parabenizei. Depois, numa mostra sua no NAC (Núcleo de Arte Contemporânea da UFPB), foi a vez de me impressionar fortemente com um Van Gogh, seu, fumando cachimbo, na agonia, ante o irmão Theo, e com um fortíssimo Vox Clamantis in Deserto. Em seguida vi um trabalho seu a quatro mãos com o Flávio Tavares – A Pedra do Reino, lá na Funesc (Fundação Espaço Cultural da Paraíba). Você tinha, já, noção do seu potencial enorme?

SL – Quem pode saber de si antes de Ser? Nunca me imaginei artista. Isso até os dezessete anos, quando tive o privilégio de conhecer Flávio Tavares, de entrar em seu ateliê e de ver, pela primeira vez, algo que respondia à falta de significado que me habitava. Naquele momento não me imaginei, eu me soube artista. Nasci algumas vezes nesta vida, mas, esse dia tenho como a minha data oficial. Em verdade, o potencial ao qual te referes tem seu fundamento no sertão da Paraíba, onde tive a felicidade de viver parte da infância. Lá, vivi o mundo como ele é, não como julgamos que deva ser. O mundo silencioso e perene, cujo poder e dimensão situaram-me corretamente na vida. Por certo o impacto causado pela vastidão seca da caatinga soprada pelo vento, o mundo natural onde as pessoas eram para mim a extensão dessa realidade, deram-me o sentido de valor e significado que formaram o alicerce do que sou. A realidade, na sua real potência, é aquela que dá noticia do intangível por meio do que está ao alcance da mão, ao alcance dos olhos e do olfato, aquela que você escuta… O artista se fez quando reencontrei o tesouro esquecido, e foi a pintura que me devolveu o sertão que eu sou.

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Entrevista a Mariana Abreu Sodré

My visible silence - 2015 - oil on canvas - 59.1 X 59.1 in - Meu visivel silencio - óleo sobre tela - 180 X 140 cm

10 de maio de 2014

O senhor diz na apresentação da série que UM LUGAR COMUM é o retorno da paisagem como tema. De quanto tempo e como foi esse intervalo? Por que aconteceu o intervalo e o que o motivou a retornar ao tema?
Se considerarmos a ideia do retorno sob o prisma mítico as coisas assumem sua exata dimensão. Tomemos a parábola da volta do filho pródigo, ele pede sua parte da herança paterna e sai em busca de conhecer o mundo, já seu irmão fica trabalhando ao lado do pai na fazenda. Tempos depois ele retorna tendo gasto toda sua herança e o pai lhe oferece um banquete em celebração. O irmão que ficara não compreende e questiona o pai, porque ele que estivera todo este tempo ao seu lado ajudando-o nunca merecera um banquete? Ao que o pai responde, seu irmão voltou, ele reconheceu o seu lugar. Este evento ocorre inúmeras vezes na vida de cada pessoa, e na pintura as coisas acontecem exatamente como na vida.
Quando deixei meu lugar, quando sai da minha terra não imaginava que a razão da minha busca não era bem aquela que eu na época acreditava. Saí para conhecer o mundo, ver outras paisagens, sentir outros cheiros, ouvir outras vozes e músicas, conhecer novas culturas outros climas, tudo isto eu vivi e vivendo percebi que quanto mais distante eu ia mais próximo de mim eu estava. Minha terra, meu mundo, minha gente, eu mesmo, tudo foi acontecendo. O diferente espelha o igual, me vi no outro e comecei a sentir o lugar onde eu sou.
Esta nova série de pinturas é fruto de um longo e profundo mergulho durante o qual, sem o saber, busquei consolidar a atmosfera própria à minha paisagem.  Neste período, que durou cinco anos, meu objetivo era alcançar uma pintura capaz de se sustentar a partir de seus valores essenciais: matéria, luz e cor.  Foi um período de experiência abstrata que dei o nome de Enigma, batizando algo que justamente eu desconhecia na época. A esfinge que me impôs o enigma foi o grande mestre russo americano Mark Rothko.  Ele me falava de algo muito fundo em mim, algo que eu devia clarificar para poder atualizar a minha voz.
Em 2013, em um novo ateliê amplo e iluminado pela luz solar, as coisas clarearam e a atmosfera tão buscada deu noticia. É o retorno à paisagem que vem acontecendo muitas vezes no limite do reconhecível, sugerindo uma realidade ampliada: a correspondência entre a realidade interior e o mundo exterior. Este lugar no qual se reúnem as coisas é o que me interessa.
Chamei este momento de Um Lugar Comum, pois me fala de uma síntese, um lugar que é tudo, mas é um, um lugar de comunhão, de pertencimento, Com Um.

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Entrevista ao jornalista Guilherme Cabral

The deep sleep of beauty 2014 - oil on canvas - 78.74 X 59.05 in - O profundo sono da beleza - 2014 - óleo sobre tela - 200 X 150 cm

11 de novembro de 2013

O que você está fazendo, hoje? Ou seja, está com alguma exposição aberta? Em caso positivo, dê detalhes sobre ela e onde acontece e até quando vai?
Estou desenvolvendo uma serie de pinturas de paisagens. Elas são a primeira notícia que trago de um mergulho que durou cinco anos onde pude resignificar minha pintura. Neste período que vai de 2007 a 2012 a necessidade era uma pintura que fosse capaz de se sustentar pelos seus próprios valores pictóricos, sem qualquer auxilio da forma conhecida a minha pintura abdicou da referência objetiva.  A busca era por alcançar o clima e a atmosfera próprios da minha pintura, algo inteiramente fiel ao que sou. Gradualmente fui compensando a ausência da forma narrativa com uma cor cada vez mais complexa e sofisticada, porem de resultado sutil, uma pintura silenciosa e de aparente simplicidade. Este período abstrato eu chamei de Ænigma.  Minha pintura de paisagem atual é fruto deste momento, resulta naquilo que tanto esperei, pelo que tanto me empenhei…  Esta nova serie eu chamo de Um Lugar Comum.

Já antecipando, qual(is) o(s) projeto(s) que você pretende realizar? O que será e para quando?
Estamos em curso com alguns projetos concomitantes, um livro e uma mostra que deverão acontecer no próximo ano.  O livro abordará meu trabalho atual situando-o a partir do meu percurso. A mostra será basicamente da serie atual, porem contando com obras da serie Ænigma que participarão como referencia e respaldo à atual pintura. A curadoria da mostra é da Julia Pereira Lima e o texto do livro do curador Alberto Saraiva, além de um texto do meu galerista Renato De Cara e um outro meu.  Uma boa notícia é que minha nova galeria, a MEZANINO, http://www.galeriamezanino.com vai estar apresentando agora em 03 de Dezembro um prewiew de dez obras da minha nova serie de pinturas na Brazil Art Fair, a primeira feira internacional de galerias brasileiras que acontecerá em Miami paralela à Miami Art Basel.

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Entrevista ao jornalista Linaldo Guedes

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2013

Por que você deixou a Paraíba e resolveu investir sua carreira no sul do país?
Tenho amor à Paraíba, devo tudo o que sou ao meu lugar, ao meu chão, porem a necessidade de ampliar horizontes foi e segue sendo o condutor da minha vida. O que me move é o sentido de amplitude, o gosto por infinito. Isto não apenas literalmente considerando que o tema que corresponde à minha busca de significados é a paisagem, mas também de forma figurada. Creio que aqui cabe uma observação sobre São Paulo: São Paulo não é o sul. São Paulo é o Brasil e o mundo inteiro, tudo junto. Esta é uma cidade de imigrantes, a maior capital nordestina do país, e aqui podemos ter uma intensa experiência do diverso. São Paulo favorece e trata bem àqueles que trazem algo e oferecem este algo como contribuição, como tempero e substancia a este maravilhoso cozido étnico e cultural, aqui cada um vale aquilo o que se é. Como artista eu preciso deste reconhecimento isento, é para mim fundamental constatar que o valor do que faço existe por si mesmo. Todo imigrante busca o lugar onde possa realizar seu sonho, sua potencialidade, é isto o que eu sou, um buscador de mim mesmo. Acho que isto responde tua pergunta, não?

Como é conseguir espaço num mercado tão concorrido, como o paulista?
Se alguma fórmula existe ela consiste em manter o humor e trabalhar. O trabalho me introduziu ao mercado. Cheguei nesta cidade faz dez anos e, como todo bom FullSizeRendermigrante, com uma mão na frente outra atrás. Além do quê um ilustre desconhecido. Mas tive muita sorte, graças a Deus, e encontrei pessoas
maravilhosas que muito me ajudaram no inicio. Artistas como Aldemir Martins, Rubens Matuck, Octávio Araujo, Marcelo Grassmann que me apresentaram a seus amigos, a colecionadores, gente do meio artístico e cultural da cidade. Daí foi seguir em frente, aos poucos o trabalho foi tornando claro para a cidade quem eu era e a que eu vim. O espaço conquistado é sempre aquele que nos é merecido.

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Entrevista ao jornalista Márcio Fonseca

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Abril de 2013

Sergio, você nasceu e cresceu em João Pessoa, casou-se e foi morar numa comunidade alternativa na Chapada de Guimarães e foi estudar pintura em Berlim, como foram esses ritos de passagem?
Minha vida nunca foi um plano consciente, as coisas foram acontecendo e aos poucos descobri o que eu sou, sou um pintor. Hoje percebo que por todo o tempo segui e continuo seguindo um mapa, uma espécie de mapa da alma. Se antes eu o seguia sem saber hoje sei que o sigo, ainda que não saiba para onde ele me leva nem o que me espera adiante. Tudo é mistério, a diferença está na aceitação consciente do caminho. O grande rito de passagem, aquele que reuni as qualidades que compõe a natureza de todos os ritos, se dá quando aceito o que me traz a vida. Este é o principio, o meio e o fim.

Quando você começou na arte, depois dos estudos em Berlim qual foi sua formação em arte?
Minha formação se inicia no ateliê do artista Flávio Tavares. Conheci Flávio quando tinha dezessete anos, sua generosidade me permitiu frequentar seu ateliê durante cinco anos, ele me iniciou na arte. Nunca tive acesso a uma educação formal em arte. Mesmo quando ganhei bolsa para ir viver em Berlim, foi para uma experiência de intercambio com alguns artistas alemães. Lá frequentei os museus, o meio artístico, os ateliês e as discussões numa rica troca de experiências. Minha grande formação foi a vida e os livros, aqueles de arte, poucos e raros que na juventude me caiam às mãos, e, claro, os livros de ciência, literatura e poesia. Os mestres me ensinaram a distancia. Ensinaram-me o fundamental. Com eles eu aprendi que a arte e a vida são uma só coisa.

blog1 A Entrega da Coroa à República, da série A Divina Comédia, Sérgio Lucena e Flávio Tavares

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Entrevista ao jornalista Astier Basílio

The place of memory - 2013-2014 - oil on canvas - 72.8 X 98.4 in - O lugar da memória - 2013-2014 - óleo sobre tela -185 X 250 cm

3 de maio de 2011

Me recorda aquela epifania que você teve. Era que ano mesmo? Você tinha ido para qual país, ia descer em qual estação de trem e tinha ido desenvolver qual trabalho?
Deixa-me contar alguns fatos subjacentes que dão contexto a esta ocorrência. Tenho uma forte relação com a natureza. Minha infância no sertão da Paraíba em companhia do meu avô materno, em sua fazenda de gado e algodão, sedimentou uma realidade indelével que se tornou parâmetro de toda minha percepção das coisas. Aos 24 anos larguei tudo na Paraíba, carreira inclusive, para buscar esta experiência da infância indo viver na Chapada dos Guimarães, sertão do Mato Grosso, plantando e colhendo.  Esta aventura deu-me a consciência que não sou um homem do campo, apesar da relação profunda com as coisas da terra, sou na verdade um homem urbano e descobri indo viver em Berlim que, quanto mais cosmopolita for o ambiente melhor eu me sinto.
Pois bem, a experiência vivida no durante o trajeto de trem entre Copenhagen, capital da Dinamarca, e Brande onde se situa a Instituição Cultural Remisen-Brande que em 2005 convidou-me para um workshop de um mês em conjunto com artistas de quase todos os continentes, foi de ordem transcendente.
Penso Astier que a experiência é a matéria prima da arte, a vida é, pois o tema e a matéria da arte. Isto posto, fica fácil compreender que a arte não cumpre o papel de descrever a vida, seu propósito é mais amplo e mais profundo, qual seja formalizar em seu tempo o significado da vida, coletiva e individual, em um totem simbólico por meio da linguagem. O que confere, portanto dimensão ao artista é a sua atitude frente à vida, o artista domina a linguagem na exata medida que se torna consciente de si mesmo.

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Entrevista ao jornalista Ricardo Anisio

Painting N°12 - 2010 - oil on canvas - 55.1 X 55.1 in - Pintura N°12 - 2010 -              óleo sobre tela - 140 X 140 cm

2011

O que te fez decidir deixar a Paraíba e investir na sua carreira, no Sul do país?
Meu caro amigo Ricardo você é um poeta e, portanto sabe bem o que do artista a arte exige: tudo, incondicionalmente. Vir para São Paulo teve como premissa atender a esta demanda.
Demanda por dialogo, demanda por referencias, por parâmetros, a busca natural do artista por realizar seu caminho, seu destino. O contato com um mundo ampliado dimensiona o que você é, lhe coloca em perspectiva e lhe dá a medida de si, isto é fundamental para a autoconsciência.

O artista deve se capacitar para servir ao propósito da arte, este é o propósito da minha vida, o único investimento ao qual devoto minha vida hoje, assim como fora antes e certamente será até o fim.
Eu sou artista e minha forma de expressão é a pintura, fazer pintura é exatamente o que eu vim fazer neste mundo, de maneira que onde as condições forem favoráveis a este propósito lá eu estarei.

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Entrevista ao jornalista Fabricio Brandão

Revista Diversos Afins, Julho de 2009

1- Suas primeiras visões vêm das reminiscências povoadas pelo vasto e mítico imaginário nordestino. Como foi que tais olhares se fortaleceram em seu íntimo a ponto de motivar a sua arte?
Minha infância foi marcada pelo sertão, o centro do meu universo, a fazenda de gado e algodão do meu avô materno onde experimentei o real, o leito rochoso onde firmei os pés. Lá existe uma pedra, um imenso granito solitário com aproximadamente trezentos metros de altura. Costumava subir esta pedra para olhar o mundo do alto, para mim aquela visão era, e continua sendo, o lugar sem engano.
O sertão nordestino com seus silêncios, sua alma arcaica, consubstancia uma realidade sem dúvidas. “Viver é muito perigoso” diz Guimarães, como a dizer que a vida só é possível com princípios, com dignidade, valor seminal. Toda a alta cultura nordestina não é outra coisa que a preservação de códigos de conduta. Estruturas essenciais que permitem a vida e criam espaço para o sonho realizador.
O que vi sem que me mostrassem, o que ouvi sem que me dissessem, o que senti sem demonstrar, (a metodologia sertaneja de transmissão do que importa) tudo calou fundo em mim até estar pronto para vir à tona.
Sou hoje a pedra da minha infância, a vastidão, o mistério, o arcaico, o espaço cósmico infinito, o não saber, o aceitar. Minha pintura atende unicamente a vida, sua demanda… Minha motivação é estar à altura disto.

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A bordo da pintura

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Diálogo entre Sergio Lucena e Floriano Martins
Fortaleza, São Paulo – Setembro / Outubro de 2007

FM Estava aqui pensando naquele navio cor de chumbo que em 1995 surge em teu horizonte estético trazendo a bordo as figuras que por algum momento haviam desaparecido dentro da paisagem de uma nova fase de tua pintura. É uma imagem muito bonita e que me faz pensar sobre a conexão entre a realidade e a criação, mundo exterior e mundo interior. Como se descortina em ti essa conexão entre dois mundos? São, de fato, dois mundos?

SL São sim dois mundos, porém complementares e indissociáveis. O que me faz pensar que os dois sejam em verdade um. Vejo a questão da conexão entre os dois mundos de forma particular. O elo é um terceiro elemento, me parece. Esta concepção em tríade sugere, ao fim, uma realidade complexa, o real com o qual lidamos na experiência cotidiana. Para mim, logo no inicio, foram estas as questões essenciais. Hoje sinto que a coisa é ainda mais complexa, sinto que há algo presente sobre o qual nada ou quase eu posso falar. Trata-se de um dado imponderável, algo que atua à revelia de minha consciência manipuladora, mas que efetivamente consubstancia, para mim, a realidade de significado. O que me parece mais próximo ao que eu estou tentando expressar é a concepção da idéia da Graça.
A pintura cumpre em mim esta função, elemento comunicante entre o dentro e o fora e além. Deste além fala a pintura só, em silêncio.

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