10 de maio de 2014
O senhor diz na apresentação da série que UM LUGAR COMUM é o retorno da paisagem como tema. De quanto tempo e como foi esse intervalo? Por que aconteceu o intervalo e o que o motivou a retornar ao tema?
Se considerarmos a ideia do retorno sob o prisma mítico as coisas assumem sua exata dimensão. Tomemos a parábola da volta do filho pródigo, ele pede sua parte da herança paterna e sai em busca de conhecer o mundo, já seu irmão fica trabalhando ao lado do pai na fazenda. Tempos depois ele retorna tendo gasto toda sua herança e o pai lhe oferece um banquete em celebração. O irmão que ficara não compreende e questiona o pai, porque ele que estivera todo este tempo ao seu lado ajudando-o nunca merecera um banquete? Ao que o pai responde, seu irmão voltou, ele reconheceu o seu lugar. Este evento ocorre inúmeras vezes na vida de cada pessoa, e na pintura as coisas acontecem exatamente como na vida.
Quando deixei meu lugar, quando sai da minha terra não imaginava que a razão da minha busca não era bem aquela que eu na época acreditava. Saí para conhecer o mundo, ver outras paisagens, sentir outros cheiros, ouvir outras vozes e músicas, conhecer novas culturas outros climas, tudo isto eu vivi e vivendo percebi que quanto mais distante eu ia mais próximo de mim eu estava. Minha terra, meu mundo, minha gente, eu mesmo, tudo foi acontecendo. O diferente espelha o igual, me vi no outro e comecei a sentir o lugar onde eu sou.
Esta nova série de pinturas é fruto de um longo e profundo mergulho durante o qual, sem o saber, busquei consolidar a atmosfera própria à minha paisagem. Neste período, que durou cinco anos, meu objetivo era alcançar uma pintura capaz de se sustentar a partir de seus valores essenciais: matéria, luz e cor. Foi um período de experiência abstrata que dei o nome de Enigma, batizando algo que justamente eu desconhecia na época. A esfinge que me impôs o enigma foi o grande mestre russo americano Mark Rothko. Ele me falava de algo muito fundo em mim, algo que eu devia clarificar para poder atualizar a minha voz.
Em 2013, em um novo ateliê amplo e iluminado pela luz solar, as coisas clarearam e a atmosfera tão buscada deu noticia. É o retorno à paisagem que vem acontecendo muitas vezes no limite do reconhecível, sugerindo uma realidade ampliada: a correspondência entre a realidade interior e o mundo exterior. Este lugar no qual se reúnem as coisas é o que me interessa.
Chamei este momento de Um Lugar Comum, pois me fala de uma síntese, um lugar que é tudo, mas é um, um lugar de comunhão, de pertencimento, Com Um.
O senhor afirma que não tem a intenção de propor nenhuma ideia com a série, mas fiquei curiosa em saber como foi a sua experiência em fazê-la. Como descreveria e o que destacaria no e do processo criativo?
Minha afirmação vem da compreensão que tenho da vida e da arte. A arte, para mim, traz noticia do ainda desconhecido, ela atua como ponta de lança. Não entendo arte como uma ação pré-concebida. Isto define o meu caminho, a pintura nunca pode servir como ilustração de uma ideia minha sobre a realidade, pois qualquer ideia minha está aquém da realidade. Sendo assim busco no objeto de arte um catalisador, algo capaz de formalizar um estado que corresponda ao que eu experimento e que me é ainda obscuro. Se eu alcanço algo que me apazigua, sinto que um pouco mais de mim eu sou. Ou seja, não fazer qualquer concessão a si mesmo, conduzir as coisas sem aceitar subterfúgios, enfim, ser honesto com você próprio, creio seja a única maneira de se realizar algo concreto. Qualquer coisa concebida com ver
dade tem poder, e este poder se revela no quanto tal coisa diz respeito à verdade do outro. Por isto eu digo que se alguma coisa eu posso falar
desta pintura é que ela nada propõe além de uma experiência particular a cada expectador. Nada de ideias, historias ou mensagens, se ao expectador acontecer de a pintura tornar-se uma experiência própria sua, algo comum terá se dado, a mesma experiência única que eu vivo enquanto pinto.
Onde realizou as obras? Em que cidade? Em qual situação? Costuma ouvir música enquanto trabalha? Se sim, neste caso, quais ouviu?
Em São Paulo onde cheguei em 2003. Esta cidade mágica que me recebeu tão bem e onde encontrei o ambiente propício à realização, foi o lugar escolhido para assentar minha vida após uma longa peregrinação. A situação talvez se defina exatamente desta maneira: em São Paulo cheguei de volta ao meu Sertão.
Sim ouço muita musica, sou eclético, sendo boa musica ouço de tudo, ultimamente tenho escutado muita musica minimalista, às vezes o mesmo disco toca interruptamente durante um mês ou mais, acho que a musica é algo encantatório, ela me leva a um estado propício para pintura.
Como se deu a escolha da paleta de cores?
Pode parecer estranho, mas nunca escolhi a paleta de cores em toda minha vida de pintor. Não há qualquer pieguice nisto, naturalmente que sei fazer o que faço, mas só até a última pintura, nada sei da próxima. A pintura para mim é uma realidade própria, ela determina o que deve ser. A mim só cabe estar à altura, este é o meu desafio.
O senhor já morou em alguns lugares. Tem uma relação forte com a natureza pelo que li. O quanto essa relação é determinante no seu trabalho? Por quê?
A natureza é a única realidade, e quando me refiro à natureza não estou falando tão somente de fauna, flora e ecossistemas, estou falando do homem. Preocupa-me a alienação do homem em relação a si mesmo. Este é o grande desequilíbrio ecológico: o homem não é mais natural.
Vivi a melhor parte da minha infância no Sertão nordestino, como agradeço por este privilégio… Lá no Sertão, naquele meu momento ainda virgem de tudo fui inteiro. Eu nada sabia e tudo eu era, eu era a terra e o céu, os rios, as plantas e as lagoas, os peixes, as pedras, os animais do chão e do céu e tudo isto eu era junto às pessoas que viviam aquilo naturalmente, ninguém pensava nisto, era um mundo simples, absolutamente sem dúvidas. Era natural.
Enfim este é o leito rochoso do rio da minha vida, o lugar que moldou o significado das coisas para mim, a pedra onde estou fincado, a base de tudo o que eu sou.